A resposta está no que vem depois e pouca gente está olhando.
Se corte de juros é bom para ativos de risco, por que o Bitcoin despenca toda vez que o Fed se reúne?
Essa é a pergunta que muita gente está fazendo. Mas é a pergunta errada.
Em 2025, o Bitcoin caiu em 6 das 7 reuniões do FOMC.
Queda média de 7,47% em poucos dias.
O motivo? O mercado funciona como uma plateia ansiosa. Aplaude antes do show começar. Quando o artista entra no palco, todo mundo já está cansado. É o famoso “sell the news”: o mercado precifica a expectativa, não o evento.
Hoje, a expectativa de corte estava em 97%. Ou seja: já estava no preço.
Mas o ponto que pouca gente está prestando atenção é que o que Fed faz nesta quarta-feira é menos importante do que o que vem a seguir.
Existem pelo menos três forças de liquidez se formando nos bastidores que podem definir o rumo do Bitcoin em 2026.
E é sobre isso que eu quero falar com você hoje.
O Fed cortou. E agora?
O Federal Reserve cortou os s em 0,25 ponto percentual nesta quarta-feira. A taxa agora está na faixa entre 3,50% e 3,75% ao ano, o menor patamar desde setembro de 2022.
É o terceiro corte consecutivo de 2025.
Até aí, nenhuma surpresa.
O mercado já esperava isso há semanas.
A ferramenta FedWatch do CME apontava probabilidade acima de 90% para esse movimento.

Mas teve uma surpresa boa.
O Fed anunciou que vai recomprar US$ 40 bilhões em Treasury Bills nos próximos 30 dias. Isso não estava no consenso. E muda o tom da conversa.
Formalmente, não é um QE. O Fed não vai chamar de Quantitative Easing.
Mas na prática? É injeção de liquidez. Dinheiro novo entrando no sistema. É um QE disfarçado de “não-QE” e isso é positivo para ativos de risco.
O tom de Jerome Powell, por outro lado, veio mais cauteloso.
Alguns diriam hawkish, aquele tom de “calma, não vamos sair cortando juros toda hora”.
A divisão dentro do Fed ficou clara: de um lado, diretores preocupados com a inflação ainda elevada. Do outro, os que temem que a economia enfraqueça se os cortes não continuarem.
O que esperar agora?
O cenário mais provável para os juros é uma pausa.
O Fed deve segurar novas reduções por alguns meses enquanto reavalia os dados.
Economistas consultados pela Bloomberg projetam mais dois cortes em 2026, provavelmente em março e setembro.
Mas enquanto os juros pausam, a liquidez começa a fluir. E isso é o que realmente importa.
Corte de juros é importante, sim. Ele favorece ativos de risco. Faz investidores migrarem da renda fixa para ações e cripto. O problema é que esse efeito leva de 6 a 12 meses para aparecer na economia real.
A recompra de títulos, por outro lado, tem efeito mais imediato.
E é por isso que você precisa olhar para além da manchete.
Três torneiras de liquidez
O corte de juros é só a manchete. O que realmente vai definir o preço do Bitcoin em 2026 está acontecendo nos bastidores.
Existem três forças de liquidez se formando agora. Poucas pessoas estão prestando atenção nelas. Vou explicar cada uma de forma simples.
Torneira 1: Do aperto para a expansão

Desde 2022, o Fed vinha fazendo o chamado Quantitative Tightening (QT): basicamente, retirando dinheiro da economia. Foram mais de US$ 2,4 trilhões drenados do sistema. Chegou a tirar US$ 95 bilhões por mês.
Pense numa torneira. Por três anos, ela ficou fechada. O tanque foi esvaziando aos poucos.
Em 1º de dezembro, o QT acabou oficialmente.
E hoje, o Fed deu o primeiro sinal concreto de que a torneira está sendo reaberta.
O anúncio de recompra de US$ 40 bilhões em Treasury Bills nos próximos 30 dias não veio com o nome de Quantitative Easing. Mas na prática, é isso. Dinheiro novo entrando no sistema. Liquidez fluindo.
É um QE que não se chama QE.
O Fed não vai assumir esse nome porque seria politicamente delicado. Mas o efeito é o mesmo: mais liquidez disponível para o mercado.
Isso não significa que teremos uma inundação de dinheiro como na pandemia. Naquela época, o Fed injetou trilhões em poucos meses. Agora, o movimento é mais gradual.
Mas a direção mudou. E direção importa mais que velocidade.
E existe um termômetro para medir o estresse de liquidez no sistema: o mercado de Overnight Repo. Funciona como um cheque especial para bancos. Quando eles precisam usar, é sinal de que está faltando dinheiro.

Esse indicador já está mostrando sinais de aperto. Não no nível de 2019-2020, mas o suficiente para o Fed prestar atenção.
A resposta veio hoje. A torneira está sendo reaberta.
Torneira 2: Bancos com mais espaço para carregar dívida
Essa aqui é mais técnica, mas vou simplificar.
Existe uma regra chamada eSLR (enhanced Supplementary Leverage Ratio).
Ela obriga grandes bancos americanos a manter um colchão de capital proporcional ao tamanho dos seus ativos.
Não importa se o ativo é arriscado ou seguro, tudo conta igual.
Imagine que os bancos carregam uma mochila. O eSLR define o peso máximo permitido. O problema é que títulos do governo americano (Treasuries), que têm risco zero, pesavam igual a qualquer outro ativo.
Resultado: bancos evitavam carregar muita dívida do governo, mesmo sendo segura.
Em 25 de novembro de 2025, Fed, FDIC e OCC aprovaram uma flexibilização dessa regra. Na prática, aumentaram o peso máximo que os bancos podem carregar.
Os números:
- US$ 1,5 a 2 trilhões em nova capacidade para absorver Treasuries nos próximos 3-5 anos
- US$ 400-600 bilhões estimados só em 2026-2027
O que isso significa? O governo consegue emitir mais dívida. Consegue gastar mais. E mais dinheiro circula na economia.
Torneira 3: Ano eleitoral e estímulos
Em novembro de 2026, os EUA terão as midterms: as eleições para o Congresso.
Para qualquer governo, manter a maioria no Congresso é prioridade máxima.
Isso significa fazer de tudo para ganhar apoio popular. E uma das formas mais diretas de fazer isso é colocar dinheiro no bolso das pessoas.
Trump vem namorando a ideia de um “tariff dividend”, um cheque de US$ 2.000 para os americanos, financiado pelas tarifas de importação.
Se isso sair do papel, estamos falando de algo entre US$ 300 e 500 bilhões injetados diretamente na economia.
Para ter uma referência: a primeira rodada de stimulus checks na pandemia (CARES Act, 2020) distribuiu US$ 270 bilhões.
As três rodadas juntas passaram de US$ 800 bilhões.
O detalhe que interessa para cripto: durante os stimulus checks da pandemia, parte desse dinheiro foi parar em Bitcoin e outras criptos. Estudos mostraram aumento de volume de varejo logo após os pagamentos.
Se o padrão se repetir, pode ser combustível extra para a demanda.
O ciclo quebrou?
Todo mundo que acompanha Bitcoin já ouviu falar da teoria do ciclo de 4 anos.
A ideia é simples: a cada quatro anos, o Bitcoin atinge um novo topo histórico, depois entra em bear market, e o ciclo recomeça.
Aconteceu em 2013, 2017, 2021 e, teoricamente, em 2025.
Se essa teoria estiver certa, o topo deste ciclo já ficou para trás. O próximo só viria em 2029.
Mas nem todo mundo concorda.
A Bernstein, uma das gestoras mais respeitadas dos EUA, está no time dos céticos.

Em relatório recente, afirmou que o ciclo de 4 anos “quebrou”. O argumento: a demanda institucional se tornou mais consistente. Os ETFs de Bitcoin absorveram a pressão de venda do varejo.
Os números sustentam a tese. Mesmo com uma queda de 30% no preço, os ETFs de Bitcoin registraram apenas 5% de saídas. O dinheiro institucional não fugiu.
A projeção da Bernstein:
- US$ 150.000 em 2026
- US$ 200.000 em 2027
- US$ 1.000.000 em 2033
A Grayscale segue a mesma linha. Para eles, correções de 30% são normais dentro de um ciclo de alta, não sinais de bear market.
Arthur Hayes, fundador da BitMEX, também aposta na quebra do padrão.
Sua leitura é macroeconômica: com Trump no poder, a “impressora de dinheiro” deve ser ligada novamente.
Até PlanB, criador do modelo Stock-to-Flow, é cético sobre os ciclos. Nas palavras dele: “Três ciclos não são suficientes para formar um padrão confiável.”
É como acreditar que toda segunda-feira vai chover só porque choveu nas últimas três. Pode até acontecer. Mas não é uma regra.
E tem mais um dado histórico que vale mencionar.
Nas 20 ocasiões em que o Fed cortou juros com o S&P 500 a menos de 2% da máxima histórica, a bolsa subiu nos 12 meses seguintes. 20 de 20. Cem por cento.
Passado não garante futuro. Mas o padrão é difícil de ignorar.
Conclusão
Comecei perguntando por que o Bitcoin cai quando o Fed corta juros.
A resposta curta: o mercado já precificou. O evento vira “sell the news”.
Mas essa é a pergunta errada.
O corte de juros de hoje, sozinho, não vai mudar o rumo do mercado. O efeito leva meses para aparecer na economia real. O que realmente importa são os três vetores de liquidez que estão se formando agora:
- O fim do QT e a transição para um novo ciclo de injeção de liquidez
- A flexibilização do eSLR, que permite bancos absorverem trilhões em dívida
- Os estímulos políticos de um governo que precisa vencer as midterms
Cada um desses fatores, isoladamente, já seria relevante. Os três juntos apontam para um cenário de expansão de liquidez em 2026.
E o Bitcoin gosta de liquidez.
Para o final de 2025, o histórico sugere cautela no curto prazo, o “sell the news” pode se repetir. Mas para 2026, os vetores de liquidez apontam na mesma direção: expansão.
E o Bitcoin gosta de liquidez.
📰 Radar de Mercado
Além da decisão do Fed, a semana trouxe outros movimentos importantes. Vou passar pelos três que mais merecem atenção.
Strategy volta às compras: mais US$ 1 bilhão em Bitcoin

A Strategy (ex-MicroStrategy) aproveitou a queda recente para fazer sua maior compra em meses.
Foram mais de US$ 1 bilhão em Bitcoin adicionados à reserva da empresa.
Desde 2020, a Strategy vem acumulando de forma consistente, e hoje é a maior detentora corporativa da criptomoeda no mundo.
O movimento sinaliza algo importante: enquanto o varejo entra em pânico com correções, o dinheiro institucional está comprando.
Superquarta: Fed e Copom decidem no mesmo dia

Não só Fed movimenta os mercados. Aqui no Brasil, o Copom também se reuniu nesta quarta-feira, o que o mercado chama de “superquarta”.
A expectativa era de manutenção da Selic em 15% pela quarta reunião consecutiva. O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, deve usar o comunicado para sinalizar os próximos passos.
Para quem investe em cripto no Brasil, a dinâmica é relevante.
Juros altos aqui mantêm o real relativamente estável e reduzem a pressão de fuga para o dólar. Mas também tornam a renda fixa mais atraente, competindo com ativos de risco.
Regulação faz primeira vítima: fintech fecha as portas

A Crypto Use, fintech brasileira que tinha parceria com a Binance, anunciou o encerramento das operações.
O motivo? As novas exigências do Banco Central, vinculadas à Lei 14.478/2022.
A regulamentação exige capital mínimo milionário e padrões rígidos de governança: critérios que muitas startups simplesmente não conseguem cumprir.
É o primeiro caso público de fechamento por causa das novas regras.
O fundador, Davi Lopes, defendeu que a regulação deveria ser proporcional ao porte da empresa. Startups em estágio inicial não têm a mesma estrutura de players consolidados.
O episódio levanta uma discussão importante: regulação bem-feita protege o investidor. Regulação mal calibrada mata a inovação antes dela crescer.
Por hoje é isso.
Até a próxima!